plural

PLURAL: os textos de Neila Baldi e Noemy Bastos Aramburú

Invisíveis
Neila Baldi 
Professora universitária

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Quando voltei para o Rio Grande do Sul, em maio de 2016, Porto Alegre vivia uma onda de violência e, entre as vítimas de latrocínios, estavam as mulheres. Eu tinha receio de sair à noite.

Lembro-me como se fosse hoje, um caso depois de outro. No dia 10 de junho, Mineia Machado foi sequestrada e morta, após sair do aeroporto. No dia 23 de junho, Sara Votto Tótaro foi baleada, em frente de casa. No dia 14 de agosto, Graziela Müller Lerias, foi baleada na esquina das avenidas Sertório e Ceará. No dia 25 de agosto, Cristine Fonseca Fagundes é morta em frente ao Colégio Dom Bosco. No sábado, 27, duas mil pessoas foram às ruas pedir paz. Jornais locais deram capa para o caso. No domingo, a Força Nacional desembargava na capital para reforçar a segurança. Foi preciso que muitas mulheres morressem. Mas a comoção e a ação só vieram quando atingiu a elite.

MUNDO DOENTE

Quarta-feira da semana passada, a jovem Daiane Griá Sales (foto), de 14 anos, foi encontrada morta. Na quinta à noite, vi uma postagem do Marco Weissheimer perguntando por que não havia comoção no Estado. Daiane foi encontrada em uma lavoura, nua e com as partes do corpo da cintura para baixo, dilaceradas.

Diz a canção Índios, da Legião Urbana: "Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente". Que mundo é esse, no qual a vida de uma mulher da elite vale mais que a de uma adolescente indígena? Por que a imprensa local não deu destaque para o brutal assassinato? Dias antes, jornais, rádios e TVs repercutiam a morte de um menino pela própria mãe. Os bombeiros seguem nas buscas pelo corpo dele. Quem busca por Daiane? Quem chora por ela?

BANALIZAÇÃO

"As violências praticadas por uma sociedade doente não podem continuar sendo banalizadas, naturalizadas", diz a nota da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga). "Entendemos que os conjuntos de violência cometida a nós, mulheres indígenas, desde a invasão do Brasil é uma fria tentativa de nos exterminar. Somos 448 mil mulheres indígenas no Brasil que o estupro da colonização não conseguiu matar e não permitiremos que a pandemia da violência do ódio passe por cima de nós".

Há relatos de outros casos de ataques contra mulheres indígenas na região. A Terra Indígena do Guarita é a maior do Estado. Apesar disso, a morte de Daiane não ganhou as manchetes locais. A teoria decolonial diz que eu desumanizo, invisibilizo para apagar a existência. Se eu não enxergo, tu não existes. Desde domingo, 8, alguns veículos nacionais repercutem o caso. E nós, gaúchos e gaúchas, como reagimos? Volto à canção da Legião Urbana, que termina dizendo: "Tentei chorar e não consegui".

Porque o povo não gosta de política

Noemy Bastos Aramburú
Advogada, administradora judicial, palestrante e doutora

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Um fator simples, básico que justifica o porquê de algumas pessoas não gostarem de política é o mesmo que leva certos alunos a não gostarem da escola e a algumas pessoas a depredar áreas comuns, como as praças da cidade. O ser humano tem necessidade de ser incluído, de amar e ser amado, como bem explica Abraham Maslow. Pessoas depredam praças e parques porque não sentem pertencer àquele espaço. Para elas, o parque, a praça não são delas, aliás, elas nem sabem quem é o "dono" do local.

 O aluno muitas vezes tem este mesmo entendimento, a escola é da professora, da diretora, é um local que não é meu, sentimento que se agrava porque os pais e a comunidade também não vêem a escola como parte integrante do bairro. Infelizmente, esse sentimento se estende à política, pois o candidato que levou o voto para deputado federal, estadual e senador, torna-se um estranho depois das eleições, não raro, o eleitor desconhece se o seu candidato foi eleito ou não. Outros têm conhecimento de que foi eleito, porém, desconhecem o que ele está fazendo ou se está fazendo algo, até a próxima eleição, quando esse mesmo candidato reaparece para comprovar que fez isto e aquilo, com o escopo de pedir novamente o voto. 

Eleitores que têm memória curta novamente contribuem para eleger aquele desconhecido. Graças a Deus que a memória de alguns não é tão curta. Esses políticos não dependeriam da memória do eleitor se entendessem a teoria do pertencimento, se mostrassem o que estão fazendo e o que poderiam fazer para corresponder à confiança que os elegeu. Por esta razão, a Proposta de Emenda à Constituição PEC 125/201 1, sob relatoria da deputada Renata Abreu, é antipática para muitos, uma vez que garante a eleição apenas dos candidatos que obtêm o maior número de votos, mudando a eleição para deputado estadual, federal e vereador, que hoje é proporcional. Assim, o candidato é eleito não só com o voto que faz, mas também com a soma dos votos recebidos pelo partido. Independentemente do lado em que se esteja nesta discussão, não há como negar o risco que se tem no atual sistema com o chamado "efeito Tiririca", onde o deputado federal Tiririca PP-SP foi reeleito em 2014, com votação expressiva: 1,35 milhões de votos, elegendo, assim, vários candidatos que haviam recebido pouca votação.

Como se sente o eleitor de São Paulo que viu o seu candidato perder a eleição para quem não é político, mas comediante? Com certeza, totalmente descontente com a política. E você lembra o que seu candidato a deputado federal, estadual e senador fez em 2018? E o que ele fez em 2019 realmente te representa? Eu não sei você, mas eu não tenho resposta a nenhum dos dois questionamentos.

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